A temperatura política em Brasília voltou a subir nesta semana com declarações do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a respeito do polêmico projeto de anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro. Sem mencionar diretamente o Projeto de Lei que tem gerado controvérsias nas esferas política e jurídica, Motta declarou nesta terça-feira (15/4), por meio da rede social X (antigo Twitter), que "ninguém decide nada sozinho".
A fala, interpretada por muitos como uma tentativa de se distanciar da pauta explosiva, mostra que o presidente da Câmara busca evitar o desgaste político de assumir publicamente qualquer tipo de protagonismo no andamento da proposta. Segundo ele, as decisões na Casa passam pelo colégio de líderes e não por vontade individual, o que sinaliza uma possível estratégia para diluir responsabilidades em meio à pressão que cresce por todos os lados — tanto da base do governo quanto da oposição.
“Democracia é discutir com o colégio de líderes as pautas que devem avançar. Em uma democracia, ninguém tem o direito de decidir nada sozinho”, escreveu Motta, numa mensagem direta que soa mais como um recado do que uma justificativa.
A declaração veio poucas horas depois de o líder da Oposição, o deputado Zucco (PL-RS), afirmar publicamente que há expectativa para que a urgência da proposta de anistia seja pautada já na próxima semana. No entanto, até agora, não há qualquer sinal concreto de que o tema será efetivamente levado ao plenário — o que reforça o clima de incerteza em torno da tramitação do texto.
Nos bastidores da Câmara, o que se comenta é que Motta não quer colocar seu nome à frente de uma proposta que pode enfrentar fortes resistências tanto no Senado quanto no Supremo Tribunal Federal (STF), que já declarou posições duras contra qualquer tipo de flexibilização penal aos envolvidos no ataque às instituições democráticas.
Responsabilidade institucional e cálculo político
Ainda em sua publicação, Hugo Motta sublinhou a necessidade de “ter responsabilidade com o cargo que ocupamos”, destacando que as decisões precisam levar em conta o impacto que terão nas instituições e na sociedade como um todo.
“É preciso também ter responsabilidade com o cargo que ocupamos, pensando no que cada pauta significa para as instituições e para toda a população brasileira”, escreveu, num tom que, embora protocolar, pode ser interpretado como um alerta velado àqueles que tentam acelerar a tramitação da anistia sem o devido consenso institucional.
De acordo com fontes próximas ao parlamentar, Motta está fora de Brasília em viagem pessoal, aproveitando o recesso do feriado da Páscoa. Após o retorno, pretende reunir os líderes partidários para deliberar formalmente sobre o destino da proposta.
Por enquanto, porém, ele dá claros sinais de que não está disposto a arcar sozinho com o ônus político de uma decisão tão delicada. Além das pressões políticas internas, entra na equação o receio de um possível julgamento negativo na opinião pública, que tem se mostrado cada vez mais polarizada sobre o tema.
Anistia do 8 de Janeiro: um campo minado
A proposta de anistiar os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de Janeiro de 2023, quando bolsonaristas radicais invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, foi recebida com críticas intensas por setores da sociedade civil, juristas, ministros do STF e partidos de esquerda.
Para os defensores da proposta, muitos dos condenados foram punidos de forma desproporcional e sem amplo direito de defesa, o que justificaria uma medida de anistia em nome da “pacificação nacional”. Já os opositores alertam que a anistia seria um sinal de impunidade institucional, enfraquecendo o Estado de Direito e criando precedente perigoso para novas ameaças à democracia.
Motta, ciente da complexidade do tema, vem buscando saídas alternativas ao PL da anistia. Uma das possibilidades em estudo é uma discussão sobre a dosimetria das penas, tentando convencer o Judiciário a rever sentenças excessivas por meio de mecanismos legais mais discretos e menos ruidosos do que um projeto de anistia aprovado no Congresso.
Fontes ligadas ao Palácio do Planalto indicam que o governo Lula também está atento ao tema. Embora oficialmente mantenha distância da proposta, há interlocução entre Executivo, Legislativo e Judiciário para encontrar uma solução que não amplifique ainda mais a crise institucional.
Líderes partidários assumem o protagonismo
Diante da postura cautelosa de Motta, caberá ao colégio de líderes decidir se a pauta avança ou será arquivada por tempo indeterminado. A expectativa é de que, após o feriado, os chefes de bancada se reúnam para avaliar o cenário político e medir o impacto de uma eventual aprovação da anistia.
Nesse jogo de forças, partidos do Centrão continuam indecisos, enquanto a oposição pressiona para que o texto entre logo na pauta. Já parlamentares da base governista adotam posição ambígua: criticam a proposta publicamente, mas evitam confrontos diretos com a bancada bolsonarista, temendo reações nas redes sociais e nas urnas.
Desgaste político e pressão externa
Para além da articulação interna, pesa contra a anistia uma crescente pressão externa. Entidades de direitos humanos, associações de juristas e organizações da sociedade civil intensificaram campanhas contra o projeto, acusando o Congresso de tentar “passar a mão na cabeça” de criminosos.
O STF, por sua vez, já deu sinais de que pode julgar o projeto inconstitucional caso ele seja aprovado, o que criaria um novo impasse institucional e alimentaria o discurso de ruptura de parte da oposição mais radical.
Nesse cenário, a postura de Hugo Motta parece clara: ele quer distância do risco. Em vez de assumir a linha de frente, opta por jogar a responsabilidade sobre os ombros dos líderes partidários, enquanto busca preservar sua imagem de conciliador responsável e institucionalista.
O futuro da anistia: indefinido e arriscado
Com tantos interesses em jogo e nenhuma sinalização concreta de avanço, o destino do projeto de anistia segue indefinido. A tendência, segundo analistas políticos, é que a proposta permaneça em banho-maria até que o clima político esteja mais favorável — se é que esse momento chegará.
Enquanto isso, Hugo Motta joga com o tempo e as circunstâncias, apostando que, quanto mais o assunto se diluir na agenda pública, menor será o custo político de qualquer decisão futura. Seja qual for o desfecho, uma coisa é certa: o silêncio e a cautela do presidente da Câmara falam mais alto do que qualquer discurso.
Resta agora observar os próximos passos dos líderes partidários e se haverá disposição para encarar um tema que, mesmo sem ter chegado ao plenário, já divide profundamente a política brasileira.