Nos bastidores da política brasileira, ninguém joga sozinho. A recente denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à tona uma nova peça nesse xadrez de interesses: os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Enquanto Bolsonaro os usa como escudo para evitar um desgaste direto, o ministro Alexandre de Moraes também os instrumentaliza para consolidar sua autoridade. No fim, essas pessoas se tornaram uma massa de manobra reciclada, servindo a propósitos distintos dentro da polarização nacional.
Bolsonaro transforma os condenados em defesa própria
Desde o início, Bolsonaro negou qualquer responsabilidade pelos atos de vandalismo em Brasília. Alegou que não estava presente e que não incentivou as invasões. No entanto, suas ações antes e depois da eleição de 2022 mostram um cenário mais complexo. Durante meses, ele lançou dúvidas sobre o processo eleitoral, alimentando um clima de insatisfação entre seus apoiadores.
Mesmo após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, acampamentos permaneceram em frente aos quartéis, sugerindo que havia uma estratégia para manter a pressão popular. Essa mobilização atingiu seu ápice no fatídico 8 de janeiro, quando milhares de manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
Agora, Bolsonaro se vale das condenações severas aplicadas pelo STF para fortalecer sua narrativa de perseguição política. Seus discursos recentes evitam citar diretamente os processos contra ele, mas colocam os condenados como mártires da liberdade. O ex-presidente não convoca atos em seu nome, mas em defesa dessas pessoas, transferindo a comoção para longe de si e enfraquecendo os argumentos da Justiça contra ele.
Moraes endurece penas para reforçar a tese de golpe
Enquanto Bolsonaro se protege por trás dos condenados, Moraes os utiliza para sustentar a ideia de que houve uma tentativa de golpe. As penas aplicadas aos envolvidos foram rigorosas, ultrapassando até mesmo punições para crimes mais graves no Brasil. Essa postura não passou despercebida e gerou críticas, inclusive de setores jurídicos que veem excessos nas condenações.
O objetivo de Moraes parece claro: garantir que os eventos de 8 de janeiro sejam interpretados como um atentado direto à democracia, justificando assim sua atuação firme contra Bolsonaro e seus aliados. Quanto mais pesadas as penas, mais forte se torna a narrativa de que havia um plano articulado para impedir a posse de Lula. No entanto, até agora, não surgiram provas concretas de que o episódio tenha sido coordenado por lideranças políticas.
A falta de evidências contundentes sobre um comando centralizado levanta questionamentos sobre a proporcionalidade das sentenças. Isso permite que Bolsonaro e seus apoiadores apontem um suposto uso político do Judiciário para punir adversários. Assim, a estratégia de Moraes pode acabar sendo um tiro pela culatra, alimentando ainda mais a polarização e fortalecendo a tese de perseguição política.
A manipulação dos condenados por ambos os lados
Os condenados de 8 de janeiro estão no centro de uma disputa onde são apenas peças em um tabuleiro maior. Enquanto o STF busca endurecer as penas para sustentar a gravidade do ataque às instituições, Bolsonaro os transforma em símbolos de resistência contra o que chama de abuso de poder. No fim, essas pessoas passaram de ferramentas de pressão a escudos políticos.
A postura do Judiciário começou a mudar recentemente. O STF passou a suavizar algumas punições, concedendo progressões de regime e revendo certas condenações. A cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos foi um exemplo desse movimento. Seu caso foi usado para demonstrar que a Justiça pode ser rigorosa, mas também misericordiosa. No entanto, muitos veem esse gesto como um recuo estratégico, uma tentativa de evitar que as penas desproporcionais se tornem um problema maior para a credibilidade do tribunal.
Essa mudança pode influenciar diretamente no caso de Bolsonaro. Se a Justiça flexibilizar as punições dos manifestantes, pode acabar abrindo brechas para que o ex-presidente também receba uma sentença menos severa. Assim, o próprio rigor com que o STF tratou os primeiros réus pode, paradoxalmente, beneficiar Bolsonaro no futuro.
Conclusão: um jogo de poder com consequências incertas
A batalha entre Bolsonaro e o STF não é apenas jurídica, mas também política. Ambos os lados utilizam os condenados de 8 de janeiro para reforçar suas próprias narrativas. Bolsonaro os transforma em vítimas da perseguição judicial, enquanto Moraes os posiciona como protagonistas de uma tentativa de golpe. No final, essas pessoas foram descartadas e recicladas conforme as conveniências de cada lado.
O desfecho desse embate ainda é incerto, mas uma coisa é clara: quem realmente pagará o preço dessa disputa não serão os políticos envolvidos, e sim aqueles que foram convencidos a lutar por causas que, no fundo, nunca os beneficiaram. Se há algo que esse episódio ensina, é que, no jogo de poder, sempre há quem puxe as cordas – e sempre há quem seja puxado sem perceber.