A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou nesta terça-feira (18) uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas, acusadas de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022. A denúncia, assinada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, tem como base um inquérito da Polícia Federal (PF) que reuniu mais de 884 páginas de provas e depoimentos. Caso o STF aceite a acusação, Bolsonaro e os demais investigados se tornarão réus e responderão judicialmente pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa.
Segundo a denúncia, Bolsonaro teria liderado um grupo que, desde 2021, articulava uma estratégia para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e criar um ambiente favorável à intervenção militar. O ex-presidente e seus aliados disseminaram informações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas e promoveram eventos públicos para sustentar a narrativa de fraude. Um dos episódios centrais dessa ofensiva ocorreu em julho de 2022, quando Bolsonaro reuniu embaixadores estrangeiros para apresentar suspeitas infundadas sobre o processo eleitoral, mesmo após reiteradas declarações de especialistas e autoridades garantindo a confiabilidade do sistema.
A investigação revelou que, após a derrota no segundo turno das eleições, o grupo intensificou os esforços para reverter o resultado. Relatórios da Polícia Federal apontam que houve mobilização de forças de segurança para dificultar a votação de eleitores opositores. Além disso, a denúncia destaca que apoiadores do ex-presidente, com influência dentro do governo, facilitaram os atos de violência registrados em 8 de janeiro de 2023, quando extremistas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
O documento da PGR também menciona a resistência de integrantes das Forças Armadas como um dos fatores que impediram a concretização do golpe. O então comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Baptista Junior, e o comandante do Exército, General Freire Gomes, teriam se recusado a aderir ao plano de ruptura institucional. Relatos indicam que Bolsonaro e seus aliados pressionaram militares do alto escalão, chegando a elaborar documentos formais para justificar uma intervenção contra o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Entre os indícios reunidos pela PF, há mensagens e testemunhos que apontam para a existência de uma minuta do golpe, um decreto que previa a anulação das eleições e a convocação de um novo pleito sob tutela militar. Essa minuta teria sido ajustada pessoalmente por Bolsonaro e discutida com generais próximos ao governo. O inquérito indica que o então presidente se reuniu em 9 de dezembro de 2022 com o general Estevam Cals Theófilo, buscando garantir apoio das Forças Armadas para a empreitada.
Outro ponto alarmante da investigação envolve uma célula extremista dentro das Forças Armadas, apelidada de “kids pretos”, que teria planejado ataques contra autoridades, incluindo o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. A Polícia Federal identificou trocas de mensagens entre militares que discutiam a possibilidade de assassinatos como forma de facilitar a execução do golpe.
O caso chegou à PGR em novembro de 2024, encaminhado pelo ministro Alexandre de Moraes. Desde então, Paulo Gonet e sua equipe analisaram detalhadamente as provas e os depoimentos colhidos pela PF. Para acelerar a conclusão da denúncia, o procurador-geral cancelou suas férias e trabalhou sem interrupção nos últimos meses. O resultado desse esforço é um documento robusto, que descreve a atuação de seis núcleos distintos dentro da organização criminosa, cada um com funções específicas na tentativa de ruptura democrática.
Com a denúncia formalizada, caberá agora ao Supremo Tribunal Federal decidir se aceita a acusação. Caso o STF acolha a denúncia, Bolsonaro e os demais investigados passarão à condição de réus, dando início a uma ação penal. O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, será responsável pela condução do processo, incluindo a coleta de depoimentos e a análise de novas provas. Somente após essa fase, o caso será levado a julgamento pelo plenário da Corte.
A repercussão da denúncia promete acirrar ainda mais o cenário político nacional. Aliados de Bolsonaro classificam a acusação como uma perseguição política e afirmam que as provas apresentadas são frágeis. Já setores do governo e juristas apontam que as evidências reunidas pela Polícia Federal são contundentes e demonstram uma tentativa real de subverter a ordem democrática.
Independentemente da decisão do STF, o caso se insere em um contexto mais amplo de responsabilização por atos antidemocráticos. Além dessa denúncia, Bolsonaro já é alvo de outras investigações, incluindo a apuração sobre falsificação de certificados de vacinação e o escândalo das joias sauditas. O desdobramento desses processos pode influenciar diretamente o futuro político do ex-presidente, que atualmente está inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
A denúncia apresentada pela PGR marca um passo importante no enfrentamento de tentativas de desestabilização do sistema democrático. Para especialistas, o julgamento desse caso será um teste crucial para as instituições brasileiras e para a consolidação do Estado de Direito. Se condenado, Bolsonaro poderá enfrentar penas severas, incluindo prisão. Caso seja absolvido, a decisão poderá reforçar a narrativa de perseguição adotada por seus aliados e manter o ex-presidente como um ator político relevante nos próximos anos.
Nos bastidores do STF, ministros já indicam que o caso será tratado com prioridade, dada a sua gravidade e impacto institucional. A sociedade brasileira acompanhará atentamente os próximos passos do processo, ciente de que o desfecho dessa denúncia poderá definir o rumo da política nacional nos próximos anos.