O ministro de Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo de Israel, Amichai Chikli, expressou severas críticas ao governo brasileiro em uma carta enviada ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A mensagem foi publicada após a decisão da Justiça Federal do Brasil de abrir uma investigação contra Yuval Vagdani, um soldado israelense que estava de férias no país. A ação judicial gerou um atrito diplomático e abriu espaço para questionamentos sobre os limites do direito internacional e a soberania jurídica.
Na carta, Chikli acusou o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “perseguir israelenses” e afirmou que a situação mancha a imagem do Brasil no cenário internacional. O ministro classificou o envolvimento do Judiciário brasileiro, supostamente com o apoio do governo federal, como uma vergonha para o povo brasileiro, especialmente em um momento histórico que marca os 80 anos da libertação de Auschwitz, símbolo da luta contra o nazismo e o antissemitismo.
A origem do embate está em uma representação movida pela Fundação Hind Rajab (HRF), que acusou o soldado israelense de crimes de guerra na Faixa de Gaza. A entidade, representada por advogadas brasileiras, baseou sua denúncia em tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção de Genebra e o Estatuto de Roma. Essas normativas permitem que países signatários investiguem e julguem crimes de guerra cometidos fora de seu território. Com base na representação, a Justiça Federal determinou a abertura de uma investigação no final de dezembro de 2024, com desdobramentos iniciados em janeiro de 2025.
Vagdani, que estava na Bahia no momento em que o caso ganhou repercussão, deixou o Brasil rapidamente e seguiu para Buenos Aires, capital da Argentina, com apoio do governo de Israel. O Ministério das Relações Exteriores israelense emitiu um comunicado alertando seus cidadãos sobre o uso de postagens em redes sociais que poderiam ser exploradas por “elementos anti-israelenses” para justificar ações legais que consideram infundadas.
O episódio trouxe à tona debates sobre a aplicação do direito internacional e as implicações políticas de tais investigações. Para Israel, a acusação contra o soldado é vista como parte de uma campanha global para deslegitimar o país e seu exército. Amichai Chikli destacou que a decisão da Justiça brasileira é preocupante e sinaliza uma guinada que, segundo ele, coloca o Brasil ao lado de grupos e indivíduos com visões extremas sobre o conflito israelo-palestino.
O ministro usou palavras contundentes para descrever sua indignação. Ele afirmou que a decisão brasileira reflete um alinhamento político que vai contra os valores do povo brasileiro, que historicamente seria um aliado de Israel na luta contra o terrorismo e o antissemitismo. Em tom confiante, Chikli declarou acreditar que a maioria da população brasileira se opõe às ações do governo Lula e que esse episódio será lembrado como um erro histórico.
Eduardo Bolsonaro, destinatário da carta, é conhecido por suas posições pró-Israel e por criticar abertamente o governo Lula. Ele ainda não se pronunciou oficialmente sobre o conteúdo da mensagem, mas já havia demonstrado solidariedade ao Estado de Israel em diversas ocasiões. O deputado federal também compartilhou críticas semelhantes às feitas por Chikli, especialmente em relação à condução da política externa brasileira no atual governo.
No cenário internacional, o caso despertou atenção por envolver tratados globais e a relação do Brasil com outras nações. O país, como signatário do Estatuto de Roma, tem o compromisso de combater crimes de guerra e garantir que os responsáveis por violações de direitos humanos sejam responsabilizados, independentemente de onde os crimes tenham ocorrido. No entanto, a decisão de investigar um soldado israelense, membro de um exército reconhecido internacionalmente, foi vista como um passo ousado, mas também polêmico, que pode gerar consequências diplomáticas.
Israel, por sua vez, tem uma longa política de proteção a seus cidadãos, especialmente soldados, contra acusações relacionadas a conflitos em territórios palestinos. O governo israelense frequentemente critica iniciativas jurídicas que considera parciais ou motivadas por agendas políticas. Neste caso, a reação foi rápida, com o soldado sendo retirado do Brasil e declarações públicas de repúdio à decisão judicial brasileira.
A Fundação Hind Rajab, que entrou com a representação, também se manifestou, defendendo a legitimidade da investigação e reforçando que sua ação está alinhada com o direito internacional. Para a organização, o caso de Vagdani representa a oportunidade de reforçar a aplicação de leis globais que combatem violações de direitos humanos, independentemente da nacionalidade dos acusados.
Além do impacto jurídico e diplomático, o caso gerou discussões nas redes sociais e na opinião pública brasileira. Enquanto algumas pessoas defenderam a investigação como um marco de comprometimento do Brasil com os direitos humanos, outras criticaram a ação, considerando-a uma interferência desnecessária em um conflito estrangeiro e um possível fator de desgaste nas relações entre Brasil e Israel.
O contexto histórico também foi citado por Chikli em sua carta, que mencionou o aniversário de 80 anos da libertação de Auschwitz como um lembrete da luta contínua contra o antissemitismo. Para ele, o Brasil deveria estar do lado de Israel nessa batalha, em vez de adotar posições que, em sua visão, fortalecem narrativas contra o estado judeu.
Essa não é a primeira vez que o governo Lula enfrenta críticas internacionais por sua postura em relação ao Oriente Médio. A política externa brasileira, especialmente em relação ao conflito israelo-palestino, sempre foi alvo de atenção e, muitas vezes, de controvérsias. Enquanto governos anteriores mantiveram uma postura mais neutra, a atual administração tem sido mais vocal em questões que envolvem direitos humanos e tratados internacionais.
O caso de Yuval Vagdani, embora individual, reflete questões mais amplas que envolvem as responsabilidades dos Estados perante os tratados que assinam e as implicações de se posicionar em conflitos internacionais. A reação de Israel demonstra como decisões locais podem reverberar globalmente, afetando não apenas as relações bilaterais, mas também a imagem de um país no cenário internacional.
Para o governo Lula, o desafio será equilibrar sua política externa com as demandas internas por justiça e respeito aos direitos humanos, sem comprometer parcerias estratégicas com países como Israel. Já para Israel, o caso reforça a necessidade de proteger seus cidadãos contra o que considera perseguições judiciais e políticas motivadas por ideologias.
O desenrolar do caso ainda é incerto, mas ele já deixou claro que a relação entre Brasil e Israel passará por um período de tensão. Enquanto a investigação prossegue no âmbito da Justiça brasileira, os desdobramentos diplomáticos e políticos continuarão a moldar o debate público e as interações entre os dois países.