Rio: Morte de traficante denunciado por heroína da vida real choca o Rio de Janeiro

Operação na Ladeira dos Tabajaras termina com cinco mortos
Traficante conhecido como "Marmitão" havia sido denunciado por Joana Zeferino da Paz, inspiração do filme “Vitória”
Filme estrelado por Fernanda Montenegro retratou história real que ajudou a desmantelar quadrilhas no Rio

Uma operação policial realizada na manhã de terça-feira (15/04), na comunidade da Ladeira dos Tabajaras, zona sul do Rio de Janeiro, terminou de forma trágica com a morte de cinco suspeitos, incluindo William do Amaral Gomes, vulgo Marmitão, figura conhecida no tráfico local. O caso ganha repercussão nacional por um detalhe marcante: Marmitão foi denunciado, anos atrás, por Joana Zeferino da Paz, mulher que inspirou o aclamado filme brasileiro Vitória, estrelado por Fernanda Montenegro.

Segundo informações da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), a operação visava cumprir mandados de prisão relacionados à investigação do assassinato de João Pedro Marquini, ocorrido em 30 de março em Vargem Grande. Durante a ação, além de Marmitão, seu sobrinho, Vinicius Kleber Di Carlantonio Martins, conhecido como Cheio de Ódio, também foi morto. Ambos eram considerados lideranças no tráfico da região.

A operação policial também resultou na prisão de quatro indivíduos, incluindo Antônio Augusto D’Angelo da Fonseca, apontado como envolvido direto na execução de um agente da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), morto recentemente em uma tentativa de assalto.

Joana Zeferino: a mulher por trás de uma denúncia histórica

Joana Zeferino da Paz, falecida em 2024 aos 97 anos, tornou-se símbolo de coragem e resistência ao registrar, por conta própria, a atuação do tráfico na comunidade onde vivia. Sem qualquer formação em jornalismo ou investigação, ela começou a filmar a movimentação dos criminosos pela janela de seu apartamento, nos anos 2000. Suas imagens foram fundamentais para que mais de 30 criminosos, incluindo policiais militares envolvidos em corrupção, fossem presos.

O sigilo em torno da identidade de Joana foi preservado por quase duas décadas. Por questões de segurança, ela viveu de forma discreta, sem que sua identidade fosse revelada ao grande público, mesmo após o lançamento do filme que narra sua história. O longa Vitória, lançado nos anos 2010, ganhou notoriedade tanto pela atuação comovente de Fernanda Montenegro quanto pelo impacto social de sua narrativa, baseada em fatos reais.

As gravações feitas por Joana não apenas escancararam a atuação do tráfico como também expuseram um esquema de conivência envolvendo autoridades locais. A ação dela demonstrou que a força de um cidadão comum pode ser determinante na luta contra o crime organizado, mesmo diante de riscos significativos.

Apesar de viver sob constante ameaça, Joana nunca deixou de colaborar com as autoridades, contribuindo em silêncio até o fim de sua vida. Seu exemplo segue reverberando nas comunidades cariocas, sendo um símbolo de como a coragem pode transformar realidades.

A operação que revirou o tráfico na zona sul do Rio

A operação policial realizada na Ladeira dos Tabajaras tinha como foco a execução de mandados judiciais relacionados à morte de um agente da Core, que foi alvejado por criminosos enquanto retornava com sua esposa da casa da mãe, em Campo Grande. O crime chocou a corporação e acelerou investigações em curso.

Durante a ação, além dos dois líderes mortos, quatro homens foram presos. A Polícia Civil afirmou que os suspeitos faziam parte de um esquema de tráfico e extorsão que atua na zona sul, uma das áreas mais turísticas e movimentadas da cidade. Marmitão, em particular, já havia sido apontado por investigações anteriores como um dos chefes de pontos de venda de drogas na comunidade.

Vinicius, conhecido como Cheio de Ódio, seu sobrinho, atuava como segurança pessoal e braço-direito nas ações da quadrilha. Informações apontam que ambos estavam armados no momento do confronto com os policiais, que resultou em intensa troca de tiros.

A operação é uma resposta direta ao aumento dos índices de violência na região e à escalada dos conflitos entre milicianos e traficantes, que têm causado diversas mortes nos últimos meses, especialmente em zonas de disputa como São Gonçalo e Vargem Grande.

Filme “Vitória” e legado de Joana voltam ao centro do debate

Com os desdobramentos da operação, o nome de Joana Zeferino voltou a ser destaque nas redes sociais e na imprensa. Internautas relembraram a importância de sua contribuição anônima à segurança pública, enquanto especialistas comentaram o simbolismo da queda de um criminoso que ela mesma ajudou a expor.

O filme Vitória, protagonizado por Fernanda Montenegro, narra de forma emocionante o cotidiano de Joana, sua coragem e o impacto das imagens gravadas da janela. A produção foi premiada em festivais nacionais e internacionais, sendo frequentemente utilizada em debates acadêmicos e em campanhas sociais voltadas para o enfrentamento da criminalidade em áreas de risco.

Fernanda Montenegro chegou a comentar, na época do lançamento, que interpretar Joana foi um dos papéis mais desafiadores e transformadores de sua carreira. “Ela me ensinou que o silêncio pode ser uma arma poderosa contra a violência, e que a justiça muitas vezes começa dentro de casa”, disse a atriz em entrevista.

Em meio ao cenário ainda caótico da segurança pública no Rio de Janeiro, o legado de Joana surge como um farol, lembrando à sociedade que mesmo ações individuais podem provocar mudanças estruturais profundas. O fato de Marmitão, um dos traficantes denunciados por ela, ter sido morto justamente em uma operação policial contra o tráfico, reforça a importância do trabalho realizado por essa mulher anônima e corajosa.

Conclusão: o impacto de uma vida de luta

A história que liga Joana Zeferino da Paz a William “Marmitão” Gomes é mais do que uma coincidência trágica. É o retrato de um país em que o combate ao crime é feito não só por armas e viaturas, mas também por gestos de bravura silenciosa. O exemplo deixado por Joana permanece como uma referência poderosa de cidadania e resistência.

O Rio de Janeiro, cidade marcada por extremos, continua a viver sob a sombra de disputas territoriais entre facções criminosas. Mas histórias como a de Joana, agora revividas pela queda de um dos criminosos que ela denunciou, mostram que há esperança — e que o verdadeiro heroísmo pode morar na janela de um simples apartamento.