O presidente da Argentina, Javier Milei, causou alvoroço ao criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter o passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro retido, impedindo sua presença na posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Em entrevista à CNN durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, Milei classificou a decisão da Corte brasileira como “lamentável”, afirmando que a medida censura a liberdade de locomoção do ex-mandatário. A declaração gerou reações imediatas, tanto no Brasil quanto no cenário internacional, colocando mais uma vez em evidência a polarização política que domina os debates atuais.
O caso de Bolsonaro é um dos mais controversos da história política recente do Brasil. Investigado por suposto envolvimento em um plano de golpe de Estado, ele enfrenta uma série de restrições judiciais impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, incluindo a retenção de seu passaporte. Apesar de múltiplos pedidos da defesa para reaver o documento, a Justiça brasileira manteve sua decisão, alegando risco de evasão. Bolsonaro, por sua vez, negou qualquer intenção de fugir do país e declarou que enfrentará as acusações, mesmo sob o risco de prisão.
As declarações de Milei, entretanto, trouxeram um novo ângulo ao debate. Ao criticar a decisão do STF, o líder argentino sugeriu que o Brasil estaria limitando direitos fundamentais, como a liberdade de movimento. “Acho lamentável que a liberdade de locomoção tenha sido censurada”, afirmou Milei, destacando a importância do direito de ir e vir como um pilar da democracia. A fala gerou reações mistas entre políticos e analistas brasileiros, ampliando a já acirrada divisão entre apoiadores e críticos de Bolsonaro.
No Brasil, membros da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional se posicionaram de forma divergente em relação às declarações de Milei. O vice-presidente da Comissão, General Girão, declarou apoio às críticas do presidente argentino, afirmando que a decisão do STF não possui justificativa suficiente. Para ele, a retenção do passaporte de Bolsonaro é mais um exemplo de perseguição política contra líderes de direita no Brasil. “Não há respaldo para essa decisão. Muitos falam em perseguição, e isso parece cada vez mais evidente”, comentou Girão.
Por outro lado, deputados alinhados ao governo, como Carlos Zarattini e Arlindo Chinaglia, discordaram completamente das afirmações de Milei. Zarattini afirmou que o presidente argentino desconhece a realidade política e jurídica do Brasil. Segundo ele, Bolsonaro já ameaçou deixar o país em outras ocasiões, o que justificaria as restrições impostas pelo STF. “Existe um processo judicial em andamento, e o risco de evasão é real”, disse Zarattini, acrescentando que a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos fortaleceu a sensação de unidade entre movimentos de extrema direita ao redor do mundo, mas que isso não deve ser confundido com impunidade.
Já Chinaglia foi ainda mais incisivo, acusando a extrema direita de ameaçar a democracia em escala global. “A extrema direita é especialista em golpear a democracia. Aqui no Brasil, é crime, e o Judiciário é independente para julgar”, afirmou. Para ele, as críticas de Milei são uma tentativa de legitimar ações que comprometem o Estado de Direito.
Apesar das controvérsias internas, a fala de Milei ressoou também fora do Brasil. Nos Estados Unidos, congressistas começaram a debater o impacto da relação entre o STF e figuras públicas como Bolsonaro na estabilidade política e econômica do país. Com a vitória de Trump, a possibilidade de sanções econômicas contra o Brasil, caso a situação não seja apaziguada, tornou-se tema de discussão. Trump, conhecido por sua proximidade com Bolsonaro, teria demonstrado insatisfação com as decisões judiciais que afetaram diretamente seu aliado brasileiro, sugerindo que isso poderia influenciar futuros acordos bilaterais.
Dentro do Brasil, a retenção do passaporte de Bolsonaro também levanta questões sobre as limitações de sua atuação política e internacional. Durante os eventos de posse de Trump, Bolsonaro participou por meio de chamadas de vídeo, mas afirmou que sua ausência foi profundamente sentida. Ele lamentou não ter acompanhado a esposa na viagem e sugeriu que, caso estivesse presente, a repercussão seria menor. Aliados do ex-presidente defendem que ele solicite uma nova autorização para viajar aos Estados Unidos em fevereiro de 2025, embora o cenário permaneça incerto.
Enquanto isso, Bolsonaro mantém uma postura de enfrentamento em relação ao STF. Em declarações recentes, ele reafirmou que não pretende deixar o Brasil e que está preparado para enfrentar qualquer consequência judicial. “Eu vou para a cadeia, eu não vou fugir do Brasil. Eu poderia ter ficado nos Estados Unidos quando fui para a posse do Milei, mas escolhi voltar, mesmo sabendo dos riscos que corro”, disse Bolsonaro, destacando sua intenção de permanecer no país e lutar por sua liberdade.
A polêmica em torno das declarações de Milei e das restrições impostas a Bolsonaro evidencia a complexidade do atual cenário político brasileiro. A polarização não apenas afeta as relações internas, mas também gera reflexos no cenário internacional, onde lideranças como Trump e Milei desempenham papéis significativos. Para muitos analistas, a situação é um exemplo claro de como questões jurídicas e políticas podem ter desdobramentos globais, especialmente em um mundo cada vez mais interconectado.
Com o Brasil dividido, o futuro de Bolsonaro e sua influência no cenário político seguem como incógnitas. Sua base de apoiadores continua fiel, enquanto seus críticos buscam consolidar o papel do Judiciário como guardião da democracia. À medida que novas decisões judiciais são tomadas e a pressão internacional aumenta, o Brasil enfrenta um momento crucial para definir os rumos de sua democracia e de suas relações globais. As próximas semanas prometem ser decisivas, tanto para Bolsonaro quanto para o país como um todo, em um cenário onde política, justiça e diplomacia se entrelaçam de maneira inédita.